Sem pensar, eu vou até a porta verificar se a tranquei. No momento seguinte, me pergunto: por quê? Se me levassem tudo, não me importaria. Afinal, importo-me por algo? Neste mundo frio e artificial, algo realmente importa? Meu pessimismo é realista? E aquela porta abre-me o quê?
É a porta de entrada para o Teatro.
No camarim, inúmeros espelhos. Mas, não tanto quanto máscaras e maquiagem.
No teatro, espectadores exigentes, infelizes, e cegos – com os olhos costurados. Suas bocas emitem freneticamente palavras desconexas, grunhidos agudos. Gritam gritam e gritam, num frenesi diabólico. As costuras dos olhos estouram. Porém, não são olhos que emergem, e sim mais bocas. E, os gritos se multiplicam. As centenas de vozes tornam-se ensurdecedoras e insuportáveis, ao ponto de os espectadores não terem consciência do barulho produzido. Não são mais espectadores, esqueceram-se do espetáculo, ofuscado por seus gritos. Falando bem a verdade, as cortinas até então, não haviam nem sido levantadas.
Pensando melhor, é bom eu ir ver se tranquei bem a porta.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
O Teatro
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
Sobre Você
Eu sei qual é seu nome; sei da sua idade; sei o dia em que faz aniversário; sei que não usa cabelo chanel por achar que não combina com seu rosto; eu sei onde mora; sei que mora num condomínio; sei que tem cachorros e periquitos; sei que não tem o costume de comer verduras, é onívora; sei que costuma sair todos os sábados; gosta de rock’n’roll com uma pitada de mpb; sei que mora apenas com a mãe, seu pai é falecido; sei de sua família pouco numerosa, a maioria mulheres; sei que mantém mais contato com sua família materna, e detesta seu avô paterno; sei que gosta de coisas retrô; sei que sai de all star, shortinho e camisetinha; no metrô confabula com sua amiga; sei que é baixinha; sei que usa roupas legais; sei que vai pra praia nessas férias; sei de seus planos para 2008: faculdade, trabalho e muita cerveja; sei que seu quarto é repleto de bichos de pelúcia; sei que fica vermelha quando se vê envergonhada;
Porém nunca a toquei; nunca a senti; nunca a vi.
Somente a conheço.
E isso, sempre me dá a certeza de que não me é o bastante; quero ir além.
Dia Seguinte
Vinte e cinco bilhetes brancos para o delírio certo.
Uma aspirada profunda para o estímulo repentino.
Coca-cola no dia seguinte...
Se isso tudo vale a pena, eu penso sempre depois.
Lamúrias; reavaliações; cansaço; perturbam o dia.
Coca-cola sem cola no dia seguinte...
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
Sem Ruídos - Você Frente Você
É a sua voz que ganha espaço
Nada de ruídos
Agora,
É Você frente Você
domingo, 23 de dezembro de 2007
O Invisível
Não sei mais sobre o silêncio
Não sei mais sobre feridas
Sei dos olhares cegos
Sei das vozes mudas
Surdos me escutam
Cegos me vêem
Você sabe: invisível
sábado, 22 de dezembro de 2007
O Coveiro
Sua ocupação nunca o incomodara. Ser coveiro, pensava ele, não era tão mal assim, era algo corriqueiro. Incumbido em selar o destino da vida das pessoas, realizava-o com certa apatia. Com o olhar sempre vago fazia a cova. Com habilidade, devido à experiência, transportava o caixão.
Ao acabar o dia de trabalho, chegava em casa com o jantar sempre a sua espera. O aroma da comida o saudava, assim como os beijos de sua esposa resignada.
Naquela noite, havia frango assado para o jantar. O coveiro, habituado a observar algo vivo ou morto imaginando-o num caixão, analisa o frango, deitado de pernas abertas na sua frente, calculando o tamanho de sua respectiva cova. Não suporta mais a idéia de simplesmente comê-lo, deveria enterrá-lo devidamente. Com uma desculpa barata, conseguiu recolher o frango intacto para sua missão.
Na madrugada, sob a luz do luar e sobre a terra úmida, realizou sua tarefa. Juntamente com os cadáveres, também enterrava sua essência humana. Desprovido de qualquer sentimento; indiferente; apático e obstinado. Era apenas um coveiro, um ser quase que invisível, daquele o qual todos procuram adiar a necessidade de seus serviços.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Fatos Raros
sábado, 15 de dezembro de 2007
Lapsos
Falando bem a verdade, eu sou soturno o tempo inteiro. Quando me encontro
socialmente, contudo, ocorrem-me lapsos de realidade. Porém, são apenas lapsos, não
duram muito. E, logo todos, enfim, me vêem nu. É uma nudez incerta, ou até mesmo, vazia.
domingo, 9 de dezembro de 2007
Eu Te Amo - Também Te Amo
- Oi amor, que bom que chegou, eu estava...
- Conte-me tudo! Não quero mais saber de suas mentiras. Conte-me!
No balcão, ela viu o atendente. No seu sorriso, não estava contido apenas a cordialidade a qual se dedica aos clientes. Havia nele um leve flerte, como que um convite para dançarem ou fazerem algo bem mais intenso. Ela em resposta, olhou-o penetrante. Como uma chama seus olhos cruzaram com os dele.
- Ahh! Além de vagabunda, é cínica agora?!
- Amor, estou realmente confusa. O que foi que aconteceu?
Quarto 101 indicou o balconista, e entregou-lhe a chave. Ela evidentemente tentava seduzi-lo. Ele ainda inseguro, apenas a olhava. Certamente, a paciência feminina esgotou-se quando ela ergueu sua saia deixando mostrarem-se coxas bem torneadas.
- Enquanto vou trabalhar pra trazer dinheiro pra casa, você fica por aí trepando com qualquer um! Eu sou mesmo um burro por confiar em você, sua vadia.
- Olha, não sei sobre o que está falando. Mas, vou dizer uma coisa: não mereço nenhuma dessas acusações, e muito menos os insultos!
Acontecera tudo tão rápido. Já estavam na cama despindo-se. Ele achou tudo tão fácil, foi só segui-la após seu chamado sedutor. Ah, como ela era sensual! Movia-se como uma deusa, sem deixar de parecer delicada, frigida e até mesmo ingênua. Na cama, ela continuou no controle, ele, como desde o principio, somente deixava-se guiar.
- Eu sei que me traiu com outro!
- Quem lhe falou isso?! Que absurdo! Sabe que nunca faria tal coisa, meu amor. Estou ficando até magoada com todas essas injúrias.
- Não sei de mais nada agora, estou muito confuso. Minha cabeça está prestes a explodir. Talvez, tenha sido isso, esquentei demais a cabeça. E agora, pensando bem, acredito em você e sei que me ama. Desculpe-me, meu bem. Não sei por que fui acreditar naquele...
- Naquele quem?!
- Ah, também não vem ao caso agora...
Ambos haviam se entregado ao momento e ao seus desejos impulsivos. As horas passaram-se rápidas dentro daquele quarto. 101, jamais esqueceriam. Houve uma sintonia tão intensa entre os dois. Os corpos unidos, o suor misturando-se, os perfumes confundindo-se.
- Venha aqui meu amor, me dê um beijo...
- Claro... Confie em mim, sou só sua.
- Uhum, me desculpe novamente. Bom, acho que agora vou me deitar, estou exausto. Trabalhar naquele balcão não é pra qualquer um, ainda mais com hóspedes tão indelicados e sem escrúpulos.
- Sim, entendo. Boa noite então, daqui a pouco também vou pra cama.
- Boa noite. Eu te amo.
Ela aproveitou que o marido fora trabalhar, e sem hesitações ou ressentimentos, pegou o telefone e ligou para ele...
- Também te amo.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
Recado De Um Fantasma
Habitarei em sua imaginação.
Habitarei em sua loucura.
Habitarei em seus medos.
Quando ouvires portas baterem, serei eu rondando-o.
O farfalhar das folhas quebrando o silêncio madrugador, eu despertando-o.
O vento repentino que sacudirás sua cortina, eu sondando-o.
Na brisa gélida do inverno, o calafrio que percorrerás teu corpo, serei eu invadindo-o.
No entanto, ao invés de vingança, a partir de agora esse será apenas meu dever meu caro assassino.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
O Vento Disse
O vento disse que quer me ver voar. Mas eu o conheço, é traiçoeiro. Num sopro despencarei até o chão.
O vento diz-me que tenho asas, apenas não as uso. É tão difícil de acreditar, algo impossível.
O vento quer ver algo se acabar, como minha vida, por exemplo. Como é prepotente.
Não deseja mais somente causar o farfalhar das folhas. Não, nunca mais.
E eu respondo: nunca mais.
sábado, 1 de dezembro de 2007
Homem Lúcido - Delírio
Considero-me um homem lúcido. Sou o dito homem com H maiúsculo. Sou homem de negócios. Meu mundo é comprável. Minha visão, lucrativa. Meu tempo corre. Meus dias escoam. Semanas, meses, anos, são indiferentes a mim. Sei da minha existência, pois tenho prestigio até de quem eu nem desconfia que exista. Ando pelas ruas apressado. Sempre tenho horário a cumprir. Pernas compridas possibilitam-me passos largos. Meu trajeto é programado:
Porta de casa. Três degraus. Duas quadras a frente.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
Dobro a esquerda. Mais duas quadras.
“Pegue esta flor meu senhor”.
Quebro a direita. Uma quadra adiante.
Novamente a garotinha: “Pegue esta flor meu senhor”.
Viro a esquerda. Sigo três quadras.
Insistentemente: “Pegue esta flor meu senhor”.
Dobro a esquerda.
“Pegue esta flor”
Ando mais duas quadras.
Vestido surrado branco, flor murcha nas mãos: “Pegue esta flor meu senhor”.
Olhinhos de jabuticaba, sem vida: “Pegue esta flor meu senhor”.
Voz aguda mórbida, a ecoar por minha cabeça: “Pegue esta flor meu senhor”.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
Ela existe?
Ela existe?
Começa aí a minha loucura.