domingo, 27 de janeiro de 2008

Selvagem Urbano

Acredito que eu esteja por volta de uns vinte anos de idade. Nunca fiz nada de produtivo. Nunca mais sai do meu canto, e nem cultivo relacionamentos. Sou um rato tipo urbano. Um tipo, que mora numa caverna de concreto, e foge da luz do sol. Inevitavelmente fui obrigado a cultivar algumas amizades: morcegos. Em troca do meu sangue, proporcionavam-me companhia; uma companhia vazia e de desafeto. Apenas visávamos o lucro de cada um, da forma mais egoísta possível. Aprendi a língua deles.
Alguns pensamentos se afloram: se acaso eu venha a rever pessoas, conseguirei estabelecer alguma comunicação? E meus modos, ainda são de um ser humano? Não sei, nunca mais vi nenhum.
Agora, mandei tudo à merda. Estou aqui, me embriagando, servindo-me da sangria dos morcegos. Estou bebendo meu próprio sangue por tabela. Tudo o que eles consumiram, eu consumo agora. Não reconheço meu sabor, nem mesmo aprecio este momento. E muito menos sinto-me feliz. Sou um sobrevivente. Sobrevivendo e vivendo à custa do meu próprio sangue.
Às vezes fico pensando, se lá fora, as pessoas não fazem o mesmo que eu para sobreviver. Como será que anda a sociedade? Muito progresso deve ter havido durante esse tempo em que estou recluso. Sou um selvagem agora. Não me adequaria ao mundo civilizado e organizado outra vez.
Selvagem é o que sou hoje. Selvagem urbano.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Sonho

Tudo em meus sonhos não são coisas exatas e nem definidas, posso me encontrar num certo local, e logo em seguida já em outro. Ou talvez, o certo lugar pode estar me proporcionando conforto e alegria, porém instantes depois, angústia e desespero. Acredito que com todos ocorram as mesmas coisas. A seguir, irei (tentar) descrever um sonho que tive, incrementando alguns contextos. Talvez não obtenha um sucesso quanto à fidelidade dos lugares, das pessoas e da cronologia dos fatos. Mesmo assim, pode resultar numa história interessante – ou não! Portanto, buscarei ser mais fiel do que coerente. Aliás, todos sabem: nos sonhos quase nada nos parece ter sentido à primeira vista.

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Eu havia feito uma viagem, estava na praia com meus pais, num apartamento desconhecido. Necessitávamos de dinheiro para nos sustentar ali. Todos haviam abandonado suas ocupações antigas.
Encontramos uma alternativa para nossa subsistência, aparentemente conseguindo certo sucesso com essa nova empreitada: cuidávamos de crianças, tomávamos conta delas por dias a fio ou, até mesmo, meses.
Aos poucos, esses serviços vinham se tornando um negócio sério. Porém, mesmo assim, o local que usávamos era o nosso próprio apartamento – apertado e incômodo.
Via crianças chorando, babando, gritando, engatinhando, batendo os pés. Minha casa havia se tornado completamente numa creche, a qual mais se parecia com um hospício-mirim. Para aumentar mais ainda essa sensação de desconforto, meu plano de vista era da mesma altura da dos bebês, não os via por cima, mas olhos nos olhos. Sentia-me como um deles, espalhados pelo carpe.
Um pressentimento de que as coisas estavam saindo do controle invadia-me ao olhar para aquela confusão de crianças. Um dia, minha mãe pediu-me para cuidar especialmente de um bebê, pois estava extremamente ocupada em outro cômodo da casa (agora o apartamento não me parecia tão pequeno, e sim grande e sombrio, com cômodos ainda desconhecidos para mim). Eu acatei sua ordem, e fiquei vigiando o bebê. Então, por uma distração minha, a criança – muito ativa por sinal – desapareceu do meu campo de vista. No entanto, eu sabia que ela tinha ido para um corredor escuro, o qual me era totalmente desconhecido, mesmo sendo dentro da minha própria casa.
Eu corri atrás dela. Entrei no corredor escuro, e fui acabar num quarto que tinha uma janela que ia até o chão. Estávamos no térreo. Eu vi a criança passar pela janela, então fui desesperadamente atrás dela. Não podia estragar com o nosso sustento, seria suicídio. Para aumentar ainda mais minha aflição, fui parar numa calçada cheia de pessoas, via só suas pernas, esse era meu campo de visão. E nada de encontrar o bebê. Procurava em vão.
De repente, senti que todos me olhavam, num tom de reprovação e censura. Não havia percebido, mas eu estava nu. Senti-me profundamente envergonhado, e me esqueci completamente da minha missão, a qual me tinha feito sair para a calçada daquele modo.
Instante depois, parecia-me que haviam se passado anos, o bebê ainda desaparecido – na verdade, sentia que ele era o carrasco; o responsável pela desgraça a qual eu estava passando. Eu ainda permanecia parcialmente despido. Apenas uns trapos cobriam-me o corpo. Estava imundo e sem esperanças de voltar a ver minha família.
Lampejos de lugares invadiram minha mente: supermercados, hotéis, campos de futebol de cimento, ruas asfaltadas vazias. Por fim, acabei num terraço de um prédio.
Via de cima do prédio as outras pessoas com suas vidas: moleques jogavam bola lá embaixo num campinho, pássaros voavam livremente, velhinhos sorridentes carregavam sacolas do supermercado, guardas com uniformes azuis observavam os transeuntes. Todos pareciam zombar da minha desgraça repentina e ao mesmo tempo duradoura. Tinha a sensação de que tive tudo e perdi num breve instante.

ACORDEI.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Esquizofrenia De Um Qualquer

Forjando uma realidade
Tentando escapar da realidade
Inventando qualquer verdade.

Absorvido pelo seu próprio mundo
Tido como esquecido pelo mundo
Terá ele ido muito fundo?

Criou uma cena que parecesse natural
Para seus sentidos acharem natural
Saírem sempre do real.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Uma Carta

“... sou um cara egoísta, e que não tem nenhum interesse pelas outras pessoas.”

Essas foram as últimas palavras de uma carta de amor.
Porém, não as únicas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Depois De Um Café Sobram Os Porquês

Ele tomou um café e saiu. Depois, foi andar sobre os trilhos sem olhar pra frente, esperando o encontro final do trem.
Ela nunca notara aquele seu olhar vazio, aquele seu olhar vazio.
- Para o quê está olhando?
- Nada. Foi apenas um sonho, e acabei acordando.
Sonhava e acordava todas as noites.
Durante o dia, era aquele olhar vazio, aquele olhar vazio.
Ela definitivamente precisa encontrar forças.
Ela encontrou. Ela é forte agora.
Forte, da forma que ele jamais fora em vida.
Mas mesmo assim, há porquês que nunca se esclarecerão.
E causarão aquele olhar vazio, aquele olhar vazio.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Não tenha medo do meu desconhecido.

Pois todos os dias, enfrento o meu vazio.

Ainda assim, estou aqui vivo.

Aqui estou, sussurrando ao seu ouvido.


Proteja-me de mim mesmo, eu lhe peço.

Com você eu sou outro, sim eu sou outro.

Tenho uma cura, por isso lance-me o seu fogo.

Mesmo assim, não sei se a mereço.

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Estenda-me a sua alma

Proteja-me de mim mesmo

Projete-se assim mesmo

Do jeito que és


Proteja-me de mim mesmo

Meu corpo e alma

Serão seus se quiseres

Eu prometo, eu prometo

sábado, 12 de janeiro de 2008

Um Homem Escreve:

Não tenho mais cama à minha disposição. Indiferente! Posso continuar assim, me deitando direto no chão. Dias atrás, ainda usava um travesseiro velho que encontrei. Hoje, nem isso me permito, é muita regalia, é dispensável! Este chão, cada dia me acolhe melhor, tomei gosto por ele. É simples: o sono chega, e eu logo me deito onde estiver, uma maravilha. Meu dormitório, portanto, não se limita mais num mísero quarto fedendo a mofo e habitado por baratas. Há noites tenho companheiros – não muito agradáveis, mas suportáveis: ratos. No começo, seus ruídos, suas inquietudes, incomodavam-me. Atualmente, é música aos meus ouvidos. Além do quê, fazem-me esquecer que só tenho a mim.
Da minha casa não me restou quase mais nada. A sujeira vem se acumulando pelas arestas, nem se parece mais com uma casa. Se um vento entra, é pra fazer o pó se levantar, ou erguer um odor já indescritível. As noites têm se tornado mais curta. O dia nem amanhece direito, e o sol já vem com seu brilho despertar meus olhos. Cansei disso! Semana passada, cobri as janelas com os lençóis, já inúteis a mim para seu uso comum. Mesmo assim, as noites continuam a me sufocar. Só que agora, perco o sono e o sol demora a chegar.
Ouço paredes rangerem; ouço os passos de alguém que não mora mais aqui. Lapsos de lembranças chegam-me como um raio, ferindo-me. Preferia não ter mais memória. Aqui e ali ainda encontro resquícios da vida que tive. Procuro esquecer. Não posso me lamentar. Balanço a cabeça, e vou me deitar novamente.
Ainda não sei bem o porquê de eu estar aqui agora, escrevendo no meu último pedaço de papel higiênico restante. Deve ser pela sede de me encontrar outra vez. Procuro-me entre essas palavras que escrevo. Cada letra; cada frase; cada linha; é como se fossem meu sangue que escorre para este papel. Não vou jogá-lo fora, e nem usarei para o fim que lhe é designado. Pois, acredito que ainda o encontrará, leitor anônimo.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Terráqueos

vermelho amarelo vermelho azul azul vermelho amarelo verde azul verde azul lilás lilás preto lilás azul verde lilás azul lilás verde amarelo vermelho amarelo azul vermelho amarelo verde azul amarelo [o pássaro voa] vermelho lilás amarelo amarelo azul preto amarelo verde vermelho preto verde verde lilás verde lilás amarelo amarelo preto azul verde verde verde lilás preto amarelo vermelho preto azul azul preto lilás azul verde azul verde amarelo preto lilás azul verde amarelo amarelo vermelho verde azul azul verde amarelo [você caminha] preto azul verde verde amarelo preto branco lilás branco preto verde azul branco vermelho lilás amarelo azul vermelho azul verde preto preto vermelho branco azul branco preto branco verde branco lilás branco verde branco azul branco branco branco terráqueos terráqueos terráqueos terráqueos terráqueos terráqueos
terráqueos
Entre as cores da vida
Ocupam o mesmo espaço

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Cinemateca de Curitiba exibe retrospectiva de filmes de Norman McLaren

A Cinemateca de Curitiba exibe, de 7 a 17 de janeiro, uma retrospectiva de filmes do cineasta canadense Norman McLaren, um dos principais nomes do cinema de animação. A mostra é composta por dez programas que reúnem e apresentam os filmes de McLaren a partir de diferentes recortes, técnicos e temáticos.

http://www.curitibainterativa.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=13207

Vale a pena ir assistir, as sessões são às 16h e 20h, até o dia 17.

Cinemateca de Curitiba: Rua Carlos Cavalcanti, 1174 – Centro

Alguns curtas dele:

Norman McLaren - Neighbours [1952]

Norman McLaren - Il était une chaise / A Chairy Tale [1957]

Norman McLaren - Boogie Doodle [1948]

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

40

40 anos para se encontrar como pessoa
+ 40 para supostamente entender o significado disso
+ 40 para enxergar: o interessante na vida não são as respostas, são os enigmas


obs: inteiramente inspirado no conto de Lya Luft "Numa Cidade Distante", do livro Pensar é Transgredir.

Entenda Como Um Anúncio:

Serei breve e de poucas palavras:
Quero dar a cara pra bater. Quero andar descalço sobre o asfalto quente. Se for preciso, andar sobre brasas.

domingo, 6 de janeiro de 2008

O Escritor

O escritor cresceu na vida afetiva. Constituiu família, formou um lar. Largou dos vícios, desintoxicou-se.
Diverte-se indo aos domingos com a família no jardim zoológico dar pipoca aos macacos.
Alegra-se em brincar nos finais das tardes com os filhos no gramado de casa.
Ama sua mulher durante toda a noite, durante todos os dias.
O Sol, a Lua, o mundo, traz-lhe agora contentamento e felicidade.
Seus romances, no entanto empacaram. Suas personagens perderam a complexidade.
Sim, ele deixara de ser mais um escritor a procura de algo que preencha suas lacunas.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O Vôo

Eu me encontrava num estado completo de sono, claro, depois de uma noite tão agitada que tive, merecia. Porém, fui interrompido. Com uma pancada na janela, que ao primeiro momento assustou-me, recebi o jornal diário. Somente com um grande esforço consegui levantar-me da cama. E estranhei o cansaço incrível que me invadia, considerei fora do comum.
Ao abrir a porta da sala, que dava para meu quintal, recostei-me involuntariamente na parede, consumido pela estranha fadiga matinal. Parei; Pensei; Tentei relembrar da tão agitada noite anterior: “Será que bebi demais?!” tal pergunta ecoava em minha mente. “Voltei da festa com meu carro, ou vim de carona?”. Inúteis questionamentos. De quê me adiantaria continuar ali, imóvel?
Finalmente, despertei de tais pensamentos. Caminhei até o jornal na calçada e o peguei. Nada de interessante. No entanto, algo atraiu minha atenção causando-me espanto. A placa que indicava o nome da minha rua, não era mais a mesma. Continha agora certa beleza em sua forma e nas suas letras, contudo, nada que amenizavam o efeito de pânico em mim. Tudo pelo fato de o nome da rua não ser mais o mesmo. Era agora NY-15. “Ah, eu bebi demais mesmo!” pensava eu, numa dose de pavor e sátira.
Até aquele momento, eu estava distraído o bastante para não perceber que meus pêlos branquearam, minha pele enrugara e, minha coluna doía insuportavelmente. Comecei então a correr, apavorado com a realidade a qual vivenciava.
As casas todas metodicamente enfileiradas e iguais. As ruas limpas e desertas. Estava completamente só naquele lugar. De repente, ouvi um estrondo como o de algo imenso se abrindo. Minha vista embaçou; cegou-me. Meus sentidos se perderam. Eu parecia voar. Voava livremente. Agora tomado por uma felicidade plena a qual pressentia enfim ser eterna.