segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

TRABALHO, SANGUE E PÓLVORA


Foi mais uma longa noite de trabalho, sangue e pólvora. Ambos agora em casa, no seu refúgio, longe de toda aquela porcaria das ruas.

E então ela parou tudo e lhe perguntou: “Será que isso ainda vai nos matar algum dia?”. Essa era exatamente a pergunta que ele se fazia todos os dias. Porém, manteve-se impassível: “Não sei, continue chupando”.

A mesma ideia poderia estar perturbando ambas as mentes, mas aquele não era momento para discussões.

terça-feira, 27 de julho de 2010

COMUNICAÇÃO E ENIGMAS: DECIFRA-ME

Por muitos anos fechara-se em si mesmo e ouvia somente as palavras que vinham do seu âmago. Assim, sua essência foi sendo preenchida por enigmas e segredos sobre si.
Então invocou um pensamento que o despertou e resgatou-o de seu abismo solitário. Supostamente, era um pensamento corajoso: “Só consegue quem tenta”. Porém, mais fácil do que o pôr em prática, era mantê-lo apenas na mente.
Mas hoje ele resolveu se impor e descobrir-se para o mundo: limpou sua mesa e se pôs a escrever. Sentou-se. De costas para a cama: hoje os sonhos vão esperar. “Agora eu quero o mundo como meu ouvinte”. Eis que todos ouçam o eco da sua alma através das suas palavras escritas.
Ele quer tentar, mas conseguir é outra história. Enquanto ainda mantém em mente o lema “só consegue quem tenta”, rabisca automaticamente na sua folha de papel “só tenta quem consegue”. Tudo errado! Embora suas palavras sejam o reflexo da sua alma carregada de mistérios, são justamente as palavras que traem sua intenção de se comunicar com o mundo.
Sua necessidade parece ter se transviado. Seus valores se inverteram. Inverteram-se tanto, que os seus escritos demonstram que ele quer que o mundo o decifre (e não o contrário). Inconscientemente, essa é a sua verdadeira busca.

sábado, 17 de julho de 2010

PÔR DO SOL DUAS VEZES

Eu estava com um grupo de pessoas, era de tardinha mas já escuro, já anoitecido. Então, subitamente, o céu clareou novamente e o sol começou a se pôr outra vez. Mas desta vez era algo mais belo que o normal. Pois todos sabiam: o sol se pôr duas vezes era algo que não acontecia todo dia. Era o habitual se transformando em fantástico.
Era lindo. As pessoas correram para ver essa maravilha. Porém, eu não pude. Minhas pernas me pareciam muito pesadas. Não conseguia andar. Me senti preso a alguma coisa desconhecida, invisível. Todos lá fora, de pé sobre o gramado assistindo ao segundo pôr do sol do dia. E eu cambaleando ao tentar andar, olhando para o chão e para minhas pernas quase estéreis, devorando minha consciência.
Entretanto, aquelas eram as MINHAS pernas. Eu realmente não podia culpar nada além de mim mesmo. Concluí também que no dia seguinte, se me fosse possível, eu não perderia a oportunidade de contemplar algo tão lindo como o pôr do sol, mesmo ele sendo o primeiro e único daquele dia que viria. Isso não faria dele menos belo, seria maravilhoso do mesmo jeito.

sábado, 29 de maio de 2010

ANOTAÇÕES SOBRE "ANGÚSTIA", DE GRACILIANO RAMOS

Escrever sobre Angústia, de Graciliano Ramos, é tentar transcrever o quão importante tal obra foi para mim. Esse livro me foi um marco porque realmente foi ele que me fez abrir meus olhos para a literatura brasileira, que antes eu achava muito chata. Isso se deveu talvez pela falta de maturidade minha na época; pela obrigação imposta pela escola que tentava empurrar goela abaixo certos livros; ou também porque eu estava envolvido com a literatura estrangeira, como Agatha Christie, Tolkien e Sherlock Holmes.

Além da mudança de olhar sobre a literatura brasileira, Angústia me foi um divisor de águas também diante da forma de narrativa. Nos meus primeiros contatos com os livros, desde a infância, a maioria das histórias priorizavam as ações das personagens envolvidas ao invés de se aprofundar e saber dos porquês dos atos cometidos por elas. Salvo os livros da Agatha Christie onde, por exemplo, o detetive presente em vários de seus romances, Hercule Poirot, utilizava-se muitas vezes da psicologia para desvendar os crimes. Mas mesmo assim, não havia um mergulho na mente das personagens. Foi então que eu me vi, conforme lia Angústia, dentro da mente de Luis da Silva, personagem-narrador da história. Percebi essa outra vertente da literatura, desconhecida por mim até então, a narrativa subjetiva.

Eu me recordo de como foi o desenvolver da minha leitura de Angústia. Assimilava o estilo de escrita de Graciliano: pausado, períodos curtos, frases incisivas. Comecei devagar, lia todas as noites antes de dormir, porém avançava sempre poucas páginas. Depois embalei e as páginas fluíram num ritmo mais intenso. Talvez isso tenha me proporcionado uma melhor absorção daquele universo de Luis da Silva. Aos poucos me acostumava com o seu modo de vida pacato e seu jeito complexado de pensar.

Escritor numa repartição próxima sua casa, Luis da Silva morava praticamente sozinho, tinha como companhia apenas sua empregada, uma velha que passava os dias atarefada e distante do seu patrão. Embora sempre com visitas em casa, as quais se tornariam habituais e incomodas, era um ser solitário. Pois, tanto quanto as visitas, quanto o resto das pessoas, não lhe importavam muito. Irritava-se facilmente com elas. É aí que surge uma pessoa que muda sua vida: Marina. Apesar do alto teor romântico da última frase que escrevi, alerto: Não! Angústia não é piegas, pois o que mais está em jogo na narrativa não é o eventual amor que Luis nutre por Marina, e sim como ele pensa e reage quanto às desavenças que ocorrem.

Enfim, o livro discorre sobre os conflitos psicológicos vividos pela personagem-narrador Luis da Silva, onde se encontra Marina no centro de tudo isso. E nada melhor para se adentrar nos pensamentos de alguém se não for ele mesmo quem conta os fatos. Tudo sob seu ponto de vista. E você, leitor, fica preso aos seus olhos, que se tornam o fator principal da história.

terça-feira, 23 de março de 2010

SANGUE E ÁGUA SUJA

É como se fossem milhares de agulhas perfurando todo o meu corpo. É como se derramasse todo o meu sangue. Capaz de encher uma banheira inteira. Então eu mergulharia nela. Mas depois, querendo mais, despejaria ali o seu sangue também.
"Não, não se assuste", dizem os glóbulos brancos. Ao passo que os vermelhos dizem: "É tudo uma questão de anatomia". E eu digo o mesmo a você.
Se eu pudesse beber todo esse sangue. Beber o sangue de todo o mundo, beberia todo o conhecimento da Terra, pois a sabedoria das pessoas está presente no seu sangue. Aí eu seria O Todo Poderoso, poderia ser Deus, seria quem está acima de tudo.
Mas enquanto ainda não posso fazer nada disso, fico aqui... Comendo essa comida estragada e bebendo essa água suja.