quarta-feira, 29 de julho de 2015

rubian (alter ego onírico, parte II)

Rubian, um jovem de vinte e poucos anos que acha já ter vivido tudo na vida, e que todos seus sentimentos futuros serão apenas resquícios dos que já sentira antes. Ele ainda não compreendeu a finitude do seu tempo se esgotando como areia numa ampulheta. Não sabe também que seu retrato mais fiel lhe surge todas as manhãs, logo após que acorda. Sua incompreensão de si mesmo desespera-o profundamente. Vai ver por isso desacredita tanto no futuro e não consiga identificar suas verdadeiras necessidades. Por mais que ele passe horas a pensar, não encontra saída desse labirinto (o deserto é o pior deles). Pensa demais, e dá infindáveis voltas pelos mesmos caminhos. Dá infindáveis voltas em círculo sem perceber.

Nos momentos logo após despertar dos sonhos mais profundos é que ele consegue uma rápida imagem de seus sentimentos mais puros: é o que ele exaustivamente tanto busca reconhecer, simbolizar e expressar. Então durante este rápido lampejo, é ainda capaz de se imaginar vivendo para sempre nos seus sonhos, numa espécie de viagem sem volta (seria um tormento, mal ele sabe). Ou se tenta enxergar sua vida de um modo diferente, tornando-a um pouco mais interessante e onírica como nos quadros de Escher ou mais colorida e alegre como nos de Portinari.

Porém, os primeiros minutos do amanhecer passam-se sempre imperceptíveis e ligeiros. E antes mesmo de terminar seu café-da-manhã ele já se esqueceu de tudo que sonhara, das pinturas com que se maravilhara, das histórias que vivera. Então, no dia-a-dia, cala-se – já dissera tudo o que tinha para dizer. Novamente nas noites solitárias, revive em seus sonhos as situações mais ordinárias que ganham brilhos fantásticos e incríveis, então Rubian mostra-se outra pessoa – seu verdadeiro eu. Pena que só para ele mesmo (ou nós mesmos). E por tão pouco tempo (embora, aqui, a passagem do tempo de fato não exista, passado e futuro se confundem e o presente é um grão de areia que voa a esmo).

E foi no deserto de Abulafia que enfim encontrei Rubian vagando perdido e angustiado. Era um dia escaldante e interminável, como toda a eternidade por aqui.


*Reconheço que em outras eras, antes daquele tempo, eu também passara por um período que não me compreendia direito, não sabia nem quem, nem o quê eu era realmente. Assim como Rubian. Mas isso não durou para sempre. E essa é outra história. A minha.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

alter ego onírico

Eu sou Kuranes. Outros também têm o meu nome, inclusive aquele de Celephaïs, que vive nos vales verdejantes de Ooth-Nargai. Eu, diferentemente, habito o grande deserto de Abulafia. Aliás, eu Sou o deserto e a areia e o vento. Sou feito das suas dúvidas mais impertinentes e tão frequentes, feito da poeira acumulada de todas as suas vontades e planos não realizados em vigília. Rubian, eu sou seu alter ego onírico.

terça-feira, 14 de julho de 2015

atropelado

quando tropecei no meio-fio
que de tão escorregadio
me fez cair na rua
eis os versos que pensava naquele meu derradeiro instante.

era algo com:
desde sempre estar fadado
a morrer atropelado
e não acreditar no meu passado
fora em vida meu maior pecado.

terça-feira, 7 de julho de 2015

chuva que nunca para

Penso se você me conhece realmente. Sem todas essas máscaras com as quais me escondo durante as noites. Ébrio, distante, alucinado. Sem conseguir contato – por mais próximo que esteja – com ninguém. Flutuo, mesmo que eu tente me agarrar aos seus pés, mãos, braços, cérebro. Não alcanço seu paralelo. Despenco.

Então tentei dançar. Ao buscar fazer par, teu olhar nervoso me indagaste o incompleto. Quando seus braços tentaram me abraçar, imaginei-os tentáculos, apenas. Um livro que li, não minha vida. Inquieto, não compreendo a realidade naquele instante.

Fujo. Me acalmo e vou para trás do bar: discuto, gesticulo, me exalto com amigos, por mais que eu sempre tenha dúvidas do meu verdadeiro valor (não é quanto eu ganho pelo meu suor e sangue).

Outro dia. Noite, na verdade. Após um trabalho duro, exaustivo, porém recompensador no final (será que eu sou o quanto eu ganho?). Penso em você novamente. Realmente nunca me vira sóbrio. Estou na mesa do bar, mais um bar, sozinho, alterado, com uma bera à minha frente. Bebo. Penso. Sorrio e me frustro. Me pergunto se ainda chove lá fora. Pois pendurei meu casaco na cadeira ao lado, encharcado.

Estarei molhado com essa chuva. Ou imaginei lágrimas de meu desespero, de uma chuva que nunca para?