quinta-feira, 28 de setembro de 2017

corpo máquina

eu já me sujei com graxa muitas vezes para agora poder estar aqui deslizando pelo asfalto. pernas motor de impulso fazem meus pés girarem a 12 centímetros do chão. a engrenagem roda. a máquina nunca quer parar. homem máquina na sua mais perfeita sintonia simbiótica. ajustes finos a transformam na extensão de um corpo em movimento constante e sincronizado. coração bate forte. pernas queimam. o vento sopra.

passar por latas invólucros de vidros escuros que protegem seres que nunca se arriscam em sentir o vento. proteção a todo custo contra um sistema perigoso. eu não. eu deslizo pelo asfalto e o som do vento é a canção que me falta quando passo o dia inteiro dentro de caixotes de concreto a olhar para a tela luminosa que reflete uma realidade intangível. estática zona de conforto em forma de trabalho alienado.

mas continuo me sujando. e o corpo a sangrar é o preço que se paga por estar vivo e ainda desfrutar de alguma liberdade de escolha. não quero ser igual vocês. e quem nunca se arriscou não sabe de todos os buracos do asfalto e não sabe que deslizar por ele também é cair de vez em quando. numa fração de segundo tudo pode mudar. é o risco que te acompanha a todo instante.

atingir o sublime estado de atenção plena ao manter meu corpo máquina numa operação contínua adiante. me faz respirar ar puro. girar. fazer a máquina acelerar. um vício sucessivo.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

seria a Esperança o Inferno dos Homens?
infrutífera
distorcida
confundida entre o real e o infinito

um sorriso sem maldade
você é quem vive
pra descobrir se isso vale

aquela palavra que gosta tanto
sem conseguir
alcançar sua importância

percepções que se confundem
sentimentos que se afogam
num devir que nunca chega
é esperança morta

deliberadamente abortada

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Busca ou loucura

É interessante como nossa busca por dar sentido às coisas, pode nos levar a formular teorias e percepções que beiram à loucura. Mas, por outro lado, foram os loucos do passado que mudaram o curso da História ao longo dos anos em que suas ideias não se encaixavam com a realidade da época. E que séculos depois puderam enfim serem reconhecidas e utilizadas. Pois, vejam só que loucura, a Terra girar em torno do Sol! 300 anos atrás, quem afirmasse isso era tido como demente, fora de si, herege, bruxa: digno de morrer na fogueira. E quantos não foram?

Então a linha que separa a ampla certeza da loucura é muito tênue. Para quem duvida.

E nossa eterna busca por tentarmos entender e dar sentido a tudo, nos levará à sabedoria universal ou à loucura niilista coletiva? Pois ao criarmos nosso mundo nesses moldes tão volúveis e líquidos, nossas concepções tornam-se descartáveis, os valores se perdem e nos tornamos subprodutos de algo que nem alcançamos mais – uma vida sem sentido afinal. É um salto para o nada, um precipício vazio de significado.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Após assistir Making a Murderer

Após terminar de assistir à série-documentário Making a Murderer, o sentimento é de ter levado um soco na boca do estômago. A mão pesada e inexorável do sistema. A autoridade do Estado com todo seu aparato para perpetuação do seu poder, custe o que custar. Manipulando cenários para que haja a aceitação geral de que se deve apenas encontrar um culpado, e não necessariamente a verdade sobre os fatos. A sensação de impotência, de fraqueza, de revolta e, principalmente, de injustiça. Aquela Justiça que deveria sempre ser cega e fiel à premissa de que qualquer cidadão é inocente até que se prove o contrário; e a mídia faz seu pérfido papel contra isso perpetuando diariamente sua narrativa pós-verdade, condenando pessoas antes mesmo delas merecerem algum tipo de julgamento legal - a opinião pública de espíritos fracos agradece o alimento-lixo fast food de manchetes baratas. Essa Justiça que, nas mãos de mal intencionados (e por aí tem muitos!), serve como instrumento para justificar e/ou ocultar atos hediondos de quem detém o poder. Instituições que buscam, antes de tudo, manter sua "reputação" imaculada para deixar as coisas como elas estão - a seu favor, é claro. E sim, é muita ingenuidade pedir para quem detém o poder para mudar o poder.
Infelizmente, só quando algo parecido acontece conosco ou alguém próximo é que de fato entendemos as falhas e a podridão desse sistema.
Making a Murderer nos faz sentir assim.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

É muito mais cômodo despejar nos outros a razão de todos os problemas do mundo. É menos trabalhoso ao intelecto também. Generalizar e se eximir da culpa, com a típica vida de pessoa de bem, de bons costumes, dos arrotos de demagogia barata nos almoços de família em volta do gado morto à mesa. Limitada visão e rasa análise sobre os fatos e sobre as pessoas. Destilando em vinho mórbido sua moral excludente. Tudo para conseguir deitar-se à noite com a cabeça no travesseiro crendo que fez seu bom papel para a sociedade e que nada manchará sua imagem de justiça seletiva e quase divina. Os céus o aguarda, com ruas de ouro pilhado das Américas, outrora a terra invadida infestada de seres descartáveis sem alma, sem pólvora e sem igreja.
O inferno são os outros, já era dito décadas atrás. Mas, no final, opositores e aliados compartilham do mesmo fogo que arde nossos corações, pela nossa pele, chama nosso ódio ou aquece nosso amor.