sábado, 27 de junho de 2020

novo normal e o escuro da mente

Passando pelo corredor eu ouço um barulho estranho no quarto. Suponho que a janela esteja aberta e que o vento esteja balançando a cortina blecaute que bate na parede e faz o tal barulho. Ou tomara que seja a chuva, penso eu. Faz tempo que ela não cai por aqui. É algo distante da realidade agora e que parece se encontrar somente na lembrança de um antigo mundo. Um fenômeno tão natural e corriqueiro transformado num evento exótico. Uma cidade que já foi apelidada com o prefixo chuva à frente do seu nome. Agora somente o ar é que é tóxico, com suas estéreis nuvens de carbono sobre a terra árida de asfalto, concreto e aço. O ar seco e sufocante me faz pensar se dou risada da esperança ou se me agarro de vez à ela. Mas não foi o ceticismo que nos trouxe até aqui? Para esta cidade esplêndida que não merece nem mais chuva antes do seu nome?

Nos trouxe é para este instante moldando um novo normal que transforma, ao olharmos pela janela do tempo, os fenômenos corriqueiros do passado numa pintura exótica e antiquada de um lugar longínquo no fundo das nossas mentes. Também um novo normal que transforma o futuro em algo nebuloso e cheio de buracos. E quem nos dera um buraco de minhoca neste momento, não é mesmo. Uma fuga pelo espaço-tempo alternativo de um futuro possível. Para escaparmos da seca e da fome, das dúvidas e do ódio, das paixões e dos apagões. Fugir da realidade que criamos. Do desastre anunciado. Então a corrida interplanetária afinal se fazendo necessária para quem pode. Mais uma vez a busca por novos mundos para colonizar e expandir nossas fronteiras de destruição e doença, já que por aqui a vida se esgotou. Só vão sobrar os indesejáveis mesmo. Lixo.

Por fim, percebo que a janela estava fechada e nenhum vento de fato entrava fazendo a cortina bater na parede do quarto. Era a chuva, finalmente! Eu só havia perdido o costume de ouvi-la batendo no plástico que remenda o vidro quebrado da janela.

Então eu saio do quarto. Fecho a porta e volto ao corredor agora totalmente escuro. Caminho tateando a parede em direção à porta de saída e derrubo sem querer todos os quadros e retratos pendurados. No final do corredor a porta está trancada. Volto cambaleando sem conseguir enxergar nem escutar mais nada. Silêncio e escuridão. Os cacos no chão ferem os meus pés. Quero voltar para o quarto ouvir a chuva e tentar vislumbrar algo lá fora. Mas não há mais porta de volta (nunca houve?). No lugar, apenas a parede fria e lisa deste corredor escuro que gela minhas mãos e pensamentos.