quarta-feira, 4 de maio de 2016

Visitante


Alguém bate à porta. A essa hora, acho um escrúpulo. Só pode ser notícia ruim, pois já começou mal em me despertar do meu sono leve. Desgraço-me por ter ouvidos tão sensíveis. Amigo também certamente não é, sendo que já perdi todos por conta da minha vaidade e egoísmo.

Penso então em não atender, fingir que não tem ninguém em casa, que viajei, que estou morto... Olha só, minha tendência ao sumiço!

Mas apesar de tudo eu sou curioso... Porém não mais que preguiçoso... Não! Não vou me levantar! Oras, é o meu momento de descanso. Já não basta a insônia que, aliada a minha preguiça, me sujeitam a não sair mais de casa, e, sem dormir, jogado na cama, só me levam a pensamentos de tristeza, solidão e desesperança.

As batidas continuam, insistem na sua inexorável operação. No relógio digital ao lado da minha cama, marca, precisamente, 01:15:11. Parece até um horário proposital do meu visitante indesejado. Esses números me assustam por algum motivo misterioso. Tem coisas que não se explicam.

De repente, silêncio.
Espero um pouco...

Então, após um rápido intervalo, as batidas voltam da mesma forma. E esses intervalos entre as batidas tornam-se abissais: é como se fossem o anúncio da eternidade que se aproxima de mim. Eu sempre apreciei muito o silêncio, mas esse silêncio gela minha espinha. Evoca o vazio do fim dos tempos, as chances sem volta, o não-futuro escuro. O fim definitivo da passagem do tempo.

Não sei se para meu alívio ou desespero, as batidas na porta rasgam novamente o silêncio e me despertam do meu estado de torpor.

Fico então no escuro, quietinho, deitado debaixo do cobertor: só com os olhos de fora. Um medo mortal assola meu espírito. Não sei por quê, mas sinto calafrios como se a morte estivesse ali. Será que não vale nem uma última partida de xadrez?

As batidas implacáveis se repetem agora mais fortes, impacientes.

Sete pancadas eu contei.
Seguidamente que chegam a tremer todo o meu pequeno e sujo apartamento.

Sete pecados.
Sete palmos.
Sete anos que recusei o seu amor.
Sete batidas novamente.
A sete palmos.
Enterrado.
Quem me bate a porta?

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