sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Vigilante Invisível

Sinto que estou sendo vigiado e perseguido a todo o momento, todas as horas do dia. Algo vem me observando, me cuidando, me analisando. Sentado à mesa do bar essa sensação me acompanha, ela nunca me abandona.
Levanto e vou para o banheiro, tentar fugir do que me espreita. O banheiro minúsculo, cabendo apenas eu e a privada, nada mais. Continuo a achar que algo me olha e me escuta. Passo com a mão nas paredes de lajotas brancas. Corro com ela até todos os cantos, a fim de encontrar algum olho, algum ouvido, emergidos da lajota. Não encontro nenhum dos dois. Fico desnorteado. Volto para as mesas.
Novamente sentado à mesa do bar, rodeado de amigos, procuro me esquecer que estou sendo vigiado. Afasto essa idéia. Interajo com as pessoas. Adentro na conversa. Gesticulo brusco. Falo alto, quase grito. Tudo isso, pra ver se consigo afastar o que continua a me espreitar. Não consigo. Levanto-me outra vez e me dirijo ao banheiro.
Mesmo lá dentro, com a porta fechada e trancada, não consigo me sentir sozinho. Começo a ficar perturbado. Com a tensão, minhas mãos suam. Perco o controle dos meus movimentos, tornam-me incompreensíveis. Tenho vontade de gritar, esmurrar a parede, e depois sumir. Não quero mais ser vigiado.
Maquinalmente passo com a mão nas paredes. Não acho nem os olhos nem os ouvidos. Vejo a privada à minha frente. Raciocínio que ainda não conferi se o que me perturba esteja ali naquela água. Sem pensar muito, somente buscando acabar com aquela aflição, mergulho com a cabeça no vaso sanitário. Esforço-me para conseguir abrir os olhos debaixo da água. É apertado. Frustro-me, não encontro nada ali também. Tiro a cabeça do fundo do vaso. Depois dessa, fico mais desnorteado ainda.
Quando volto para o bar, corro desesperado para o balcão. Inclino-me para olhar detrás dele. Meus olhos inquietos correm por tudo esbugalhados, numa tentativa de flagrar meu espreitador. Nada vejo. Esgotado, me sento na cadeira junto à mesa novamente.
Perguntam-me sobre meu cabelo molhado. E eu confuso e aflito, apenas respondo que choveu muito durante o dia. Não aguardo comentários. Mesmo se houvessem não os ouviria. Não estava nem aí para aquelas pessoas que me olhavam assustadas agora. Suas vozes chegavam-me aos ouvidos mudas, indecifráveis. O que me importava realmente era o meu observador invisível. Os olhos dele deviam estar em algum lugar! Não é possível!
Encosto com a cabeça na parede. Inútil tentar me acalmar, não consigo. Meus pés batem no chão repetidas vezes: sobe e desce, sobe e desce. Meu corpo inteiro balança com a ação. O suor impregna minha pele. A camisa cola-me ao peito com o suor.
Insisto em ir ao banheiro, lá posso ficar cara a cara com meu vigilante. Vou até lá novamente. Fecho a porta. Giro a chave. Executo as mesmas operações das outras vezes: ponho a mão na parede, passo-a deslizando sobre as lajotas brancas por todos os lados, até todos os cantos. Fatigado, eu paro. Permaneço alguns segundos imóvel, olhando para a privada à frente. Algo também me olha: é o meu observador; meu vigilante; meu espreitador. Mergulho a cabeça na água de novo. Só que desta vez, puxo a descarga também. E eu me vou: sugado; sorvido; engolido. E sumo dos olhos, dos ouvidos, e de tudo que me cercava e me espreitava silenciosamente.

Um comentário:

Thaís disse...

Caramba, um dos melhores textos que você já escreveu aqui ! Adorei !
:)

Beijinhos.