domingo, 25 de maio de 2008

E NO FIM AMANTE

A luz vermelha pisca.
Um instante.
A luz vermelha torna a piscar.
Vejo somente o seu brilho refletido em algo escuro à minha frente. É na penumbra que a luz se faz enxergar.
Torna a piscar. Brilha, me atormenta.
Penumbra.
Eu deitado numa cama sem-vergonha. Sinto meus ossos contra o colchão vagabundo e murcho.
A luz pisca.
Alguma boca assobia uma canção.
É uma canção de ninar.
A luz vermelha. Meus ossos. Assobio. Escuridão.
Penso em Marília. Belos cabelos os dela.
Devaneio de olhos abertos: eu e ela num jardim, o sol refletindo em nossos olhos.
O devaneio se esvaece.
É a luz vermelha outra vez.
Acordou-me. Desviou-me a atenção. E fez-me aflorar outras idéias. Idéias malévolas.

Idéias impertinentes:
Da onde está vindo esse maldito brilho vermelho?! Vermelho que me lembra tanto sangue. Sangue humano, animal... Que seja! Mas sangue.
A luz volta a piscar.
Sinto meus ossos cada vez mais pesados.
O assobiador não pára, a canção parece ser longa ou ele já a repetiu várias vezes e eu nem percebi.
Aperto as mãos dela junto ao meu peito. Que mãos delicadas. Que cabelos cheirosos. Que corpo esbelto. Contemplo-a mesmo no escuro. Acaricio-a.
Mantenho meus olhos abertos.
Por instantes somente a escuridão. Mas logo vem a luz.
A luz vermelha continua a me desafiar.

O assobio cessou. A luz ainda não.
O brilho volta, refletido na minha frente. Vem e me acusa. Despeja aos meus olhos este vermelho-sangue. Um borrão vermelho estampado do tamanho de uma cabeça.
A mão dela junto ao meu peito.
A luz vermelha e o sangue que foi derramado.
Há pouco, um respirar foi interrompido.

Eu e ela na cama deitados lado a lado. Afundo meus dedos nos seus cabelos lisos. Percorro com os dedos, do começo ao fim dos fios. Aperto a sua mão, os dedos são finos e frágeis, trago-a junto ao meu peito e a levo até minha boca beijando-lhe. A luz vermelha outra vez. Aquele borrão-sangue do tamanho de uma cabeça.
Porém as mãos dela estão frias demais.
Sinto calafrios.
Sinto o silêncio.
A penumbra.
A luz vermelha.
O sangue.
Sinto-me, pela primeira vez, assassino.
- Durma em paz, meu amor.
Sinto-me, pela primeira vez, amante.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito muito bom.