sexta-feira, 27 de junho de 2008

SANTA ESPOSA ALGOZ

Tomei litros de álcool puro
A fim de vomitar definitivamente tudo
De fato foi-se tudo ao chão
Meus rins, tripas, e por fim meu coração



Um sujeito a carregar suas entranhas numa trouxa. O coração ainda por bater, intrépido. As lembranças ainda por remoer, aflitivas.
Vagando; saboreando o ar entrar-lhe pelas narinas, e percorrer seu corpo vazio.
Vagando; a cada tropeço de cansaço, deixando-se caído para escrever versos.


Não, minha querida.
Não me traga esta toalha
Vermelho-sangue.

Quero perceber minhas feridas.
Vamos, traga-me aquela
Branca-pura.


Perambulando num deserto. Sem cruzar com um ser sequer. Vento não havia. Ainda assim, insiste em respirar. Saboreia o ar, pesaroso ar.
Da memória afloram-se remorsos. Houve um porquê em se estripar? O ciúme e a desconfiança, velhas conhecidas.


Naquela noite escura,
Ouve-se um sussurro.
Era o seu, eu sei.

Na cama, ao invés de dormir,
Você sonhava e suspirava
Por um outro alguém.



O andar tornou-se mais cambaleante, ao passo que os pensamentos tornavam-se mais pesados e remorsos. Idéia de adultério já não era mais tão certa.
Perdido, completamente perdido; os pés trilhavam caminhos sem destino, ao nada. O Sol, vermelho, a perseguir o andante. Aos poucos ele rogava piedade ao Sol, até se este lhe presenteasse com a morte. A morte viria doce.
Num desses lances...


Eu a vi!
Tão Santa
Tão Bela
Anjo na Terra


Encontra uma árvore imensa, altíssima. Ao pé dela, um pequeno lago límpido. Lá no alto da copa, nos últimos galhos, em meio a lindas flores coloridas de lilás, está ela, seu amor. Uma santa; ou a algoz de toda a sua angústia. Àquela vista, a santa parece o fixar ao chão. Não obstante, o sujeito ainda mergulha no lago. Suas entranhas a tomar sol na beira.
Agora, refrescado, ele fita-lhe lá no alto. É capaz de vê-la iluminada. Arrependido, totalmente arrependido, pede-lhe perdão. Suplica por graça. Estende a sua mão. Curva sua cabeça. Diz não havia razão da desconfiança.
A santa parece não estar presente, o que é comum quanto aos santos; o olhar distante, o corpo estático como pedra. Um vestido branco e púrpuro a cobre placidamente.
O andante reconhece-se pecador. Implacável. Ajoelha-se diante da árvore; prostra-se por inteiro à santa – sua amada e odiada conjugue.
Não há mais solução.
Junta seu intestino jogado ali no gramado do oásis e sobe na árvore. Envolve as tripas no seu pescoço e ata um nó. Amarra-o a um galho rígido... E salta. Por dois segundos voa.
Não vê? Ele buscava os céus.
A digníssima santa, por quem tanto alimentara desconfiança misturada com ódio, continua altiva a tocar o céu.
Mais abaixo, suspendido por um rígido galho, uma espécie de pêndulo preguiçoso. Preguiçoso, pois, ali, vento não havia.

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