sábado, 7 de junho de 2008

O SENHOR DA BANCA E SUA VIDA SECRETA

“Vai lá, manda brasa!”, são as palavras roucas que eu ouço após catar umas moedas escondidas no bolso e pedir um cigarro. Quem as diz é o senhor da banquinha. Um sujeito muito peculiar de olhos azuis pálidos, esbugalhados por detrás dos óculos de lentes espessas. Os cabelos, ¾ grisalhos e 2/3 já ausentes, moldam uma careca digna de louco. Pois o que lhe resta de cabelo, está sempre esvoaçado, parecendo que os fios têm vida própria e lutam para se descolarem do couro cabeludo. Aliás, todos os trejeitos do senhor da banquinha desenham um louco por detrás do balcão, repleto de cigarros para os jovens e balas para a piazada.
Desconfio que o velho da banca não ocupe seus dias somente com os “Vai lá, manda brasa!”, creio que seja um escritor. Desses que mantém sigilo extremo e até usam pseudônimo para assinarem suas obras. Imagino-o fechando a banca depois de um longo dia de trabalho acompanhado dos cigarros, balas e clientes. E se dirigindo a algum café da Rua XV.
Sentado, com o olhar atento; ouvidos aguçados; o bloco e a caneta na mão; a xícara de café meio cheia pousada sobre a mesa de canto; anota todas as histórias que consegue ouvir. Transcrevendo-as a fim de não perder nenhuma sensibilidade sequer; nenhuma emoção sequer. O senhor da banca utiliza-se do anonimato para fazer-se quase invisível, apenas um móvel ali parado, um abajur talvez.
Qualquer dia desses, após o tradicional “Vai lá, manda brasa!”, irei perguntar para o senhor da banquinha como anda sua vida literária, se está numa fase criativa e tudo mais, e, se de fato for escritor, pedirei um descontinho nalguns livros dele. Mas, se ele não for um, quem se passará por louco na história toda, serei eu.

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Essa foi pro Dalton Trevisan.
Dalton Trevisan viaja por Curitiba.

# Documentário: Daltonismo

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