sábado, 12 de janeiro de 2008

Um Homem Escreve:

Não tenho mais cama à minha disposição. Indiferente! Posso continuar assim, me deitando direto no chão. Dias atrás, ainda usava um travesseiro velho que encontrei. Hoje, nem isso me permito, é muita regalia, é dispensável! Este chão, cada dia me acolhe melhor, tomei gosto por ele. É simples: o sono chega, e eu logo me deito onde estiver, uma maravilha. Meu dormitório, portanto, não se limita mais num mísero quarto fedendo a mofo e habitado por baratas. Há noites tenho companheiros – não muito agradáveis, mas suportáveis: ratos. No começo, seus ruídos, suas inquietudes, incomodavam-me. Atualmente, é música aos meus ouvidos. Além do quê, fazem-me esquecer que só tenho a mim.
Da minha casa não me restou quase mais nada. A sujeira vem se acumulando pelas arestas, nem se parece mais com uma casa. Se um vento entra, é pra fazer o pó se levantar, ou erguer um odor já indescritível. As noites têm se tornado mais curta. O dia nem amanhece direito, e o sol já vem com seu brilho despertar meus olhos. Cansei disso! Semana passada, cobri as janelas com os lençóis, já inúteis a mim para seu uso comum. Mesmo assim, as noites continuam a me sufocar. Só que agora, perco o sono e o sol demora a chegar.
Ouço paredes rangerem; ouço os passos de alguém que não mora mais aqui. Lapsos de lembranças chegam-me como um raio, ferindo-me. Preferia não ter mais memória. Aqui e ali ainda encontro resquícios da vida que tive. Procuro esquecer. Não posso me lamentar. Balanço a cabeça, e vou me deitar novamente.
Ainda não sei bem o porquê de eu estar aqui agora, escrevendo no meu último pedaço de papel higiênico restante. Deve ser pela sede de me encontrar outra vez. Procuro-me entre essas palavras que escrevo. Cada letra; cada frase; cada linha; é como se fossem meu sangue que escorre para este papel. Não vou jogá-lo fora, e nem usarei para o fim que lhe é designado. Pois, acredito que ainda o encontrará, leitor anônimo.

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