sábado, 1 de dezembro de 2007

Homem Lúcido - Delírio


Considero-me um homem lúcido. Sou o dito homem com H maiúsculo. Sou homem de negócios. Meu mundo é comprável. Minha visão, lucrativa. Meu tempo corre. Meus dias escoam. Semanas, meses, anos, são indiferentes a mim. Sei da minha existência, pois tenho prestigio até de quem eu nem desconfia que exista. Ando pelas ruas apressado. Sempre tenho horário a cumprir. Pernas compridas possibilitam-me passos largos. Meu trajeto é programado:
Porta de casa. Três degraus. Duas quadras a frente.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
Dobro a esquerda. Mais duas quadras.
“Pegue esta flor meu senhor”.
Quebro a direita. Uma quadra adiante.
Novamente a garotinha: “Pegue esta flor meu senhor”.
Viro a esquerda. Sigo três quadras.
Insistentemente: “Pegue esta flor meu senhor”.
Dobro a esquerda.
“Pegue esta flor”
Ando mais duas quadras.
Vestido surrado branco, flor murcha nas mãos: “Pegue esta flor meu senhor”.
Olhinhos de jabuticaba, sem vida: “Pegue esta flor meu senhor”.
Voz aguda mórbida, a ecoar por minha cabeça: “Pegue esta flor meu senhor”.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
“Pegue esta flor meu senhor” disse-me a garotinha.
Ela existe?
Ela existe?

Começa aí a minha loucura.

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